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motorista que para ela trabalhe, ou talvez até todo o conjunto de
motoristas que para ela trabalham no país.
Pelo menos, não se cometerá um erro simétrico, mas nitidamente
pior: o de afirmar que o motorista leva vantagem sobre ela, ou que
aufere lucro maior que a Uber, apenas por receber um percentual tal ou
qual sobre o preço do serviço que ela estipulou.
Aliás, sobre tal questão, é apenas isto que já se afirmou e se pode
ratificar: conforme já analisado no item III.1.b, nos contratos anexados
pela própria Ré, é ela quem, unilateralmente, estipula e altera o preço
do serviço, ou seja, é a única parte que consegue dimensionar este preço
aos próprios custos de operação, para que disso possa extrair lucro.
Em relação ao motorista, não. A Ré permite-lhe que ofereça
desconto ao passageiro, mas de forma que isso somente afete o
percentual dele, não o dela. E não permite que ele possa majorar o valor
do serviço por ela unilateralmente imposto. Assim, ao contrário da Ré,
o motorista não tem qualquer poder diretivo/organizacional sobre a sua
atividade, a ponto de sequer poder dimensionar o preço do serviço aos
custos de seu trabalho (e que não se duvide de que trabalhar também
gera custos para qualquer empregado, a exemplo do gasto de combustível
e manutenção veicular para os empregados que se deslocam com carro
próprio para o trabalho, ou o gasto com vestuário, quando não fornecido
pelo empregador).
III.7.B.c) “O Autor detém os ‘meios de produção’”
Trata-se de mais de uma expressão da técnica retórica fundada no
venire contra factum proprium. Afinal, conforme já observado na análise
dos fatos-suporte, foi a própria Ré quem, unilateralmente, sempre
estabeleceu todos os termos em que a sua relação jurídica com o Autor
se desenvolve, através dos já tão explorados contratos de adesão e
respectivos adendos, dos quais se observa, com clareza, que a Ré é a
detentora do poder diretivo e organizacional da atividade econômica
por ela exercida, a qual a atividade do Autor simplesmente se acoplou,
sem qualquer resistência. Daí, a já reconhecida subordinação.
A Ré, assim, coloca-se numa posição de defesa em que busca
beneficiar-se de um fato que ela própria criou. Ela exigiu do Autor que
fornecesse uma das ferramentas de trabalho, o automóvel, conforme já
observado no item III.1.D desta decisão. Em relação ao aparelho celular
Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 66, n. 101, p. 479-576, jan./jun. 2020