Page 564 - REVISTA DO TRT3 Nº 101
P. 564

564


          motorista  que  para  ela  trabalhe,  ou  talvez  até  todo  o  conjunto  de
          motoristas que para ela trabalham no país.
               Pelo menos, não se cometerá um erro simétrico, mas nitidamente
          pior:  o  de  afirmar  que  o  motorista  leva  vantagem  sobre  ela,  ou  que
          aufere lucro maior que a Uber, apenas por receber um percentual tal ou
          qual sobre o preço do serviço que ela estipulou.
               Aliás, sobre tal questão, é apenas isto que já se afirmou e se pode
          ratificar: conforme já analisado no item III.1.b, nos contratos anexados
          pela própria Ré, é ela quem, unilateralmente, estipula e altera o preço
          do serviço, ou seja, é a única parte que consegue dimensionar este preço
          aos próprios custos de operação, para que disso possa extrair lucro.
               Em  relação  ao  motorista,  não.  A  Ré  permite-lhe  que  ofereça
          desconto  ao  passageiro,  mas  de  forma  que  isso  somente  afete  o
          percentual dele, não o dela. E não permite que ele possa majorar o valor
          do serviço por ela unilateralmente imposto. Assim, ao contrário da Ré,
          o motorista não tem qualquer poder diretivo/organizacional sobre a sua
          atividade, a ponto de sequer poder dimensionar o preço do serviço aos
          custos de seu trabalho (e que não se duvide de que trabalhar também
          gera custos para qualquer empregado, a exemplo do gasto de combustível
          e manutenção veicular para os empregados que se deslocam com carro
          próprio para o trabalho, ou o gasto com vestuário, quando não fornecido
          pelo empregador).

               III.7.B.c) “O Autor detém os ‘meios de produção’”

               Trata-se de mais de uma expressão da técnica retórica fundada no
          venire contra factum proprium. Afinal, conforme já observado na análise
          dos  fatos-suporte,  foi  a  própria  Ré  quem,  unilateralmente,  sempre
          estabeleceu todos os termos em que a sua relação jurídica com o Autor
          se  desenvolve,  através  dos  já  tão  explorados  contratos  de  adesão  e
          respectivos adendos, dos quais se observa, com clareza, que a Ré é a
          detentora  do  poder  diretivo  e  organizacional  da  atividade  econômica
          por ela exercida, a qual a atividade do Autor simplesmente se acoplou,
          sem qualquer resistência. Daí, a já reconhecida subordinação.
               A  Ré,  assim,  coloca-se  numa  posição  de  defesa  em  que  busca
          beneficiar-se de um fato que ela própria criou. Ela exigiu do Autor que
          fornecesse uma das ferramentas de trabalho, o automóvel, conforme já
          observado no item III.1.D desta decisão. Em relação ao aparelho celular


                Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 66, n. 101, p. 479-576, jan./jun. 2020
   559   560   561   562   563   564   565   566   567   568   569