Page 562 - REVISTA DO TRT3 Nº 101
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delas certamente imputável à força maior (a pandemia do COVID-19),
se a proposta da Ré - de levar às últimas consequências a inversão de
causa e efeito - será adotada na jurisprudência, a ponto de sugerir o
afastamento da aplicação dos arts. 61 e 503 da CLT (e todas outras
medidas excepcionais que se editarem), isolando-se o trabalhador, por
completo, de qualquer risco, ou se a jurisprudência reconhecerá o óbvio:
que, de fato, o empregado sofre certos riscos da atividade econômica
do empregador, alguns já regulados pela própria lei, que busca, apenas,
minorá-los.
O argumento da inexistência jurídica do pressuposto do sofrimento
de riscos pelo empregado já bastaria, assim, ao afastamento deste
argumento. Mas parece importante prosseguir, porque, como visto, o
erro é duplo: não envolve apenas tomar-se efeito por causa na análise
do direito, mas também o de afirmar algo que não ocorre na realidade
da vida.
Dois exemplos desta realidade já foram dados: o exemplo da força
maior, mais raro, e o exemplo mais comum, do encerramento prematuro
das atividades pelo empresário, sem que ele quite verbas até mesmo
incontroversas do empregado. Há outros, porém, a exemplo:
- o risco de sofrer acidentes e doenças do trabalho, tão comum
que se tornou uma preocupação do legislador, inclusive o constitucional
(inciso XXII do art. 7º da CRFB);
- a redução salarial por motivos não relacionados à força maior
(inciso VI do art. 7º da CRFB, lido à luz da Lei n. 13.467 de 2017, que
incluiu na CLT o art. 611-A, regrando a prevalência do “negociado sobre
o legislado”).
III.7.B.b) “O Autor recebia 75% do valor do serviço, e a Ré
recebia 25%”
Mais uma vez, seria de se indagar o dispositivo legal que houvesse
tornado o percentual do valor sobre o serviço prestado pressuposto do
reconhecimento da relação jurídica de emprego, o percentual do valor
sobre o serviço prestado, ou a doutrina que isso sugerisse.
Por isso, a fundamentação desta decisão resulta em texto
cansativo, por todo momento necessitar de relembrar que o Direito é
sistema, que o direito estabelece a natureza jurídica das relações, que
Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 66, n. 101, p. 479-576, jan./jun. 2020