Page 181 - Demo
P. 181
Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 70, n. 110, p. 171-187, jul./dez. 2024181continua sendo a base da produção de mercadorias e serviços. A ontologia do trabalho como elemento essencial da vida econômica permanece inalterada. Por isso, o Direito do Trabalho conserva sua relevância histórica e social, precisamente por ser o campo normativo que busca mediar as tensões entre capital e trabalho, garantindo um patamar civilizatório mínimo e protegendo a dignidade do trabalhador.É nesse sentido que o Tribunal de Minas Gerais adverte que o Direito do Trabalho é uma “[...] estrutura normativa que nasceu da necessidade social de regulação dos processos capitalistas de extração de valor do trabalho alienado”, cuja função é evitar retrocessos civilizatórios. Ignorar a aplicação desse ramo do Direito às novas formas de exploração do trabalho mediado por plataformas digitais e sistemas algorítmicos significa abandonar milhões de trabalhadores à lógica selvagem do mercado desregulado, repetindo erros históricos que o Direito do Trabalho surgiu para corrigir.O desafio atual, portanto, não está em negar a evolução tecnológica, mas em reinterpretar os conceitos jurídicos clássicos à luz das novas realidades econômicas e tecnológicas. O artigo 3º da CLT, que define o empregado como aquele que presta serviços “de forma pessoal, onerosa, subordinada e não eventual”, deve ser lido em diálogo com as transformações do chamado “admirável mundo novo”, onde a uberização, a googlerização e a plataformização da economia criam novas formas de controle, muitas vezes invisíveis aos olhos tradicionais do Direito.Nesse contexto, o conceito de subordinação algorítmica surge como ferramenta teórica para atualizar a compreensão da subordinação jurídica. A gestão do trabalho por meio de algoritmos, que definem preços, rotas, prioridades e até a exclusão de trabalhadores, não elimina a subordinação, mas a reformula em bases tecnológicas, exigindo do intérprete do Direito a capacidade de perceber a materialidade do controle, independentemente de sua forma aparente.O Tribunal acerta ao afirmar que o Direito do Trabalho deve atuar como um “algodão entre cristais”, expressão que remete à função mediadora do Direito na redução das desigualdades jurídicas e econômicas. Esse papel é ainda mais relevante diante da cybercolonização econômica, em que grandes plataformas globais impõem regras, algoritmos e condições de trabalho a milhões de trabalhadores ao redor do mundo, muitas vezes em franca violação aos direitos sociais e trabalhistas conquistados historicamente.

