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                                    351Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 70, n. 110, p. 345-362, jul./dez. 2024A realidade não se amolda à definição jurídica de forma proposital. Ao contrário, o fato não se insere no conteúdo da norma por uma questão de desatualização, de incompatibilidade entre a norma e a realidade social dominada pelo avanço tecnológico.Há, portanto, uma lacuna na definição da relação empregatícia, que pode ser suprida nos termos do art. 8º da CLT o qual, registra-se, não foi alterado pela Lei 13.467/2017 ou qualquer outra reforma promovida desde a vigência da CLT. Vejamos o conteúdo do referido dispositivo:“Art. 8º - As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.” (Grifo nosso).Valho-me, portanto, do direito comparado, que permite concluir que a existência de vínculo empregatício é inegável. Vejamos:1) A reclamada administra a execução do desempenho do contrato, inclusive com definição de notas aos motoristas e aspectos gerenciais;2) A atividade do motorista está vinculada à atividade-fim da reclamada;3) O motorista presta habitualmente esta função, de forma que a atividade é de mesma natureza daquela envolvida no trabalho realizado.Ainda que o raciocínio jurídico acima descrito não pudesse ser aplicado, há de se verificar que o caso concreto também revela a existência de uma relação de emprego.Nesse contexto, torna-se necessário ressignificar o conceito de contrato de trabalho, sem perder de vista, por óbvio, os pressupostos previstos no art. 3º da CLT (trabalho prestado por pessoa física, com pessoalidade, não eventualidade, dependência e onerosidade), além do princípio da primazia da realidade sobre a forma. Isso porque o fato de as partes terem celebrado um contrato de prestação de serviços de intermediação digital, cumprindo todas as formalidades legais não é suficiente para afastar o vínculo de emprego (art. 442-B da CLT).Feitas essas considerações, passo à análise dos pressupostos da relação de emprego na hipótese dos presentes autos.
                                
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